As manifestações artísticas existem para nos fazer refletir, dar voz e ser ferramenta de formação de opinião. A arte tem perpetuado lutas, pois ao longo do tempo é a representação de diferentes povos uma vez que sempre retratou a sociedade e suas inquietações, a arte é imortal e capaz de levar o que propõe por várias gerações, por todo mundo e alcançar diferentes grupos de pessoas e em tempos como os nossos isso nunca foi tão importante de ser falado e de ser lembrado, a arte é responsável por poder falar e comunicar ao longo dos anos e ao longo dos diferentes cenários entre eles o político.

O quão importante e valiosa é a nossa voz? o quão doloroso foi o caminho para chegarmos até aqui? Quais nossas responsabilidades em um cenário como o atual? Estamos fazendo o nosso papel de comunicar e gerar discussão em cima da nossa arte? Conversei com cinco artistas de seguimentos diferentes aqui de Manaus para que juntos possamos refletir sobre nossos dias atuais e o papel da arte na política.


Luiz Andrade (@luiz.cartunista) – cartunista, ilustrador e desenhista

“Sou cartunista e durante essas eleições me peguei pensando sobre o motivo de ter escolhido essa forma de me expressar. A origem do cartunista político tem relação com as expressões satíricas de artistas (ou simples cidadãos) com seus regimes ou governantes. Com o passar do tempo a ocupação se popularizou e transformou o cartunista numa espécie de cronista social, que tomou pra si a posição de vigilante do poder. O cartunista nunca apoia o poder, ele aponta seus erros e vigia seus atos.

Me vesti com essa armadura e agora não consigo mais abandoná-la. Nem se quisesse acho que conseguiria. Além da essência combatente do cartunista sou antes, artista, e por isso a responsabilidade é dobrada. Os artistas levantam a bandeira da liberdade, são os primeiros que o fazem, somos a vanguarda da resistência, a primeira e última linha de defesa. Por esse motivo, talvez, sejamos os primeiros caçados pelo fascismo ou pelo autoritarismo em geral, que busca calar toda voz que incomoda, que desafia. Como movimento ideológico, o fascismo se constitui de um regime extremamente autoritário com concentração do poder num líder, de nacionalismo exacerbado e cujas críticas eram recebidas com o uso de violência e terror.

Apesar de improvável, uma nova onda fascista nunca deve ser subestimada. O que estamos vivendo é a propagação de um discurso autoritário que apresenta ecos do fascismo, e que se coloca como uma verdadeira ameaça à democracia. O curioso é a contradição presente aqui, já que 69% da população prefere a democracia como regime de governo, segundo pesquisa recente do Datafolha, num índice de aprovação histórico.

Não sabemos o que virá, mas serão tempos sombrios. A polarização se estabeleceu, a pseudo-politização se espalhou após os protestos de 2013, a violência disparou, a corrupção se mostrou generalizada e alguns oportunistas apenas subiram na prancha e começaram a surfar a onda.

A partir de agora é resistência. É luta, com arte, com cultura, educação e com debate.”


Nara Leão – artista plástica/visual

“Ao longo da minha caminhada meu processo com a arte foi sendo construído,  experimentava técnicas diferentesassim como outras linguagens além da pintura, como por exemplo a performance. Eu fui bastante influenciada então por um coletivo de artistas chamado “As Guerrilas Girls” que militam sobre a questão das mulheres dentro das artes, esse então foram meus primeiros contatos com algum tipo de arte política e militância. Desde nova sempre escutei bastante música brasileira e principalmente aquelas que foram eternizadas com letras e seus refrões fortes sobre a luta contra ditadura, censura e liberdade; Raul Seixas, Belchior, Elis e Sérgio Sampaio tem sido minhas fontes para uma produção que comecei recente e que ilustra em forma de alerta os tempos sombrios que enfrentamos com a política. Além disso, tenho fotografado cada momento de manifestações, desde os Atos em São Paulo até mesmo na nossa cidade.

Uma das primeiras coisas que um governo totalitário faz é desprezar as artes e consequentemente censura qualquer tipo que afronte o governo deles. Eu sou contra qualquer censura, totalitarismo, fascismo e regimes que prezam censura e desprezam a arte e cultura. A arte e cultura compõem a história de um país, assim como seus artistas e todos intelectuais/simpatizantes que fazem parte desse meio.]

 

O que estamos vivendo é surreal, eu nunca pensei que tivéssemos que discutir sobre fascismo em ano de eleição, em aula pública no Largo de São Sebastião com professores dispostos a dar aula de história, em todos os cantos escutar sobre isso e saber que há um candidato que defende ditadura e tortura. O risco existe. O mundo todo tem avisado a gente, os principais jornais do mundo estão alertando assim como aqueles países que viveram nas mãos de grandes ditadores, a Itália e a Alemanha estão chocados. É um cenário que me preocupa bastante, desde crianças até adolescentes entraram em uma onda sem de fato saber o que representa um candidato desse. O papel hoje agora, nesse momento, de qualquer artista ou pessoa que trabalhe com arte é gritar e se argumentar por meio de traço,  cor, performance e qualquer outro mecanismo de arte um posicionamento quanto ao momento que vivemos. “Como ser artista e não refletir a época?” Essa questão reverbera na minha cabeça e foi Nina Simone que questionou sobre o envolvimento do artista em reflexionar com a política e seu tempo. Resistência! Se posicionar e lutar, seremos moscas e pousaremos em sopas sim!””

 


 

Viktor Judah (@viktorjudah) – produtor musical, bateria, teclado e voz na @republicapopular

“A música é uma forma de expressar sensações e sentimentos através do som. A canção é a música que faz isso através de uma letra. Desde as primeiras canções, nós temos histórias que são contadas, sejam verdadeiras ou fictícias. Essas histórias falam de amor, tristeza, raiva, outras milhares de coisas cotidianas, então a política se encaixa dentro disso, em tempos mais atuais, no último século, com uma maior facilidade no acesso ao conhecimento musical, o poder de gravação e divulgação, a música se tornou uma ferramenta ainda mais poderosa em favor do discurso político. Ferramenta poderosa, diga-se de passagem, sendo inclusive assimilada pela própria política (jingles políticos, paródias, os extintos showmícios e etc.).

Mas uma ferramenta poderosa assim, perante uma força autoritária, pode ser vista como ameaça, dependendo da mensagem trazida. Aqui mesmo no Brasil, durante o Regime Militar, tivemos os casos de censura. Essa imposição autoritária fere a democracia como um todo, é contrária ao progresso, e isso inclui o progresso artístico. A partir do momento que se estabelece um “controle de qualidade” do que pode ser veiculado, você tira a liberdade de pensamento dos artistas. Não pense que isso se reflete apenas ao conteúdo lírico, o que já é ruim o suficiente. Esse poder de bloquear uma ideia acaba dando preferência a músicas mais formuladas, mais quadradas, desfavorecendo novas ideias, de artistas que poderiam trazer algo realmente novo ao espectro musical.
Atualmente, nosso país é ameaçado por um projeto de poder muito semelhante ao da Ditadura Militar. Uma candidatura que já falou abertamente sobre combater ideias contrárias a base da violência e do autoritarismo. Isso é uma monstruosidade que ameaça todos os lados da democracia, da liberdade civil, da liberdade de expressão. São muitos os ramos que perderão seu espaço, das ciências às artes. É uma obviedade dizer isso, mas o povo precisa se conscientizar do que está apoiando e de quem possa está prejudicando.”

 


Olivia de Moraes (@oliviademoraes) – musicista amazonense

“As pessoas costumam categorizar a música por seu conteúdo, como se fosse aquela coleção do Chico Buarque: “O político”, “O cronista”, “O Amante”, etc. Mas toda arte – a minha, a da cantora pop, a peça de teatro para crianças, a do artesão escorado na parede da Eduardo Ribeiro – é política. Política é a relação de poderes dentro da sociedade, e a arte é exercício de poder ideológico, é um exercício de liberdade. A arte também é marco entre gerações, determina comportamentos, cria e modifica culturas. Isso tudo é poder.

Justamente por ser um exercício de liberdade, a arte em países totalitaristas é desvalorizada pelo governo, censurada, inibida e, finalmente, reprimida. Até hoje o artista sofre a pecha que ganhou na ditadura, de ser vagabundo, bandido, desocupado. Políticos – do alto de seus privilégios – se direcionam aos artistas como “aqueles que mamam nas tetas do governo”. E, como parte da estratégia desses governos é desvalorizar o serviço que o artista presta à sociedade, o povo acredita na irrelevância do nosso papel.

Nos nossos tempos, mais que nunca, a arte vinha sendo não só a acolhida da população negra e LGBT, como vinha sendo um palanque para essas minorias. Compensando a omissão do governo quanto a determinados temas, o combate à desigualdade social e de gênero, ao racismo, aos preconceitos, pode ser feito nos espaços da cultura. Quando um excluído fala, todos os excluídos falam. O ator chora lágrimas alheias, a mulher canta com voz de outras mulheres. Arte é identificação e representação.

Eu, como cantora, preciso da minha voz; todo artista precisa de um instrumento de expressão. Governos autoritários cerceiam as liberdades, dentre elas a de expressão. O cidadão perde o poder da própria voz e perde as vozes que o representam: as dos artistas. Todos perdem porque, como já disse, arte é identificação e representação. Com isso, não é exagero perceber que calar a arte é perda não só cultural, mas social, política.

Em uma democracia saudável, a liberdade é um meio para a arte ser exercida; em tempos obscuros, a liberdade é o objetivo e a razão para a arte ser exercida.  Resistiremos.”


Gedeon Nunes (@gedeonunes) – ilustrador e artista plástico

“Minha relação é uma coisa meio Homem-Aranha, poder e responsabilidade. A arte tem um poder de síntese muito grande, ao passo que a comunicação que ela propõe sensibiliza e humaniza. É o seu momento ali, com a obra, demanda introspecção, demanda diálogo, demanda a noção de que há ali a realidade de uma outra pessoa – e de que, da mesma forma, pra além da obra, há outras realidades além da sua e que é possível um elo entra ambas. Essa comunicação pode chocar, pode induzir o questionamento ou pode se valer por si só. Conforme essa noção maturava em mim, via a necessidade de produzir uma arte mais incisiva, mesmo a arte mais ingênua corre risco quando se ameaça a liberdade. Não quero o trabalho de meus amigos tolido, independente que eles fazem. Da mesma forma, não quero que a sociedade regrida, não quero que a violência se normalize, nem que as pessoas se esqueçam de que há realidades além das suas. Por isso vejo a necessidade e a obrigação de uma arte que também denuncie, de uma arte que se preocupe e que externe essa preocupação.

Há uma perseguição histórica a arte e aos artistas. O fascismo cresce desumanizando as pessoas e desumaniza os seus no que os destitui de empatia e lhes alimenta o medo e o ódio; desumaniza grupos terceiros no que os expõe como os grandes inimigos da nação, do grupo majoritário vigente, de seu código moral, e diz que toda punição direcionada a esses grupos terceiros é justificada. São os imigrantes “tomando nossos trabalhos”, são os esquerdistas “querendo acabar com a família”, são os LGBTQ+ “querendo privilégios”, “fora todos eles”. Quando a arte propõe um segundo olhar, ela inevitavelmente é tolida, é censurada, é descreditada, é perseguida, é execrada. Porque não favorece essa narrativa de um inimigo comum, de respostas fáceis.

 

O presidenciável com a preferência de votos, junto de seus eleitores, tem promovido uma demonização de tudo que se opõe a ele. Para eles, as instituições de ensino, a mídia tradicional, a mídia internacional e os institutos de pesquisa já caíram em descrédito. O que ele discursa é danoso e claramente fascista. Falou em fuzilar a oposição, homenageia torturador, acena constantemente para a ditadura militar, junto de seu vice. Desrespeita as minorias e incita a violência no que fala. Se eleito, não vai ser preciso que se institucionalize alguma perseguição aos seus opositores, quem o apoia já o faz.

Uma amiga minha já foi agredida na UFAM, na mesma semana que um professor de lá também o foi. Já ouvi dois relatos de pessoas próximas a mim sobre ameaças homofóbicas por parte de apoiadores do dito candidato. Há livros sobre direitos humanos sendo rasgados na biblioteca da Universidade de Brasília e um livro sobre vítimas da ditadura sendo proibido no Colégio Santo Agostinho, no Rio. Ano passado houve a censura à exposição queermuseu e o escândalo desmedido com a performance de Wagner Schwartz. A perseguição já ocorre, a tendência é que ela se intensifique e se torne mais violenta. A própria esquerda não leva a sério a ameaça da ditadura comunista no Brasil, mas quem se beneficia dessa narrativa não recua ao usá-la para propagar o medo. Dentre os meus, o temor e a preocupação são reais e nos tiram a calma. Até que o temor passe (ou que também sejamos vítimas), resistimos.”


Toda informação contida nesse post foi trazida do coração de cada artista e o olhar de cada um para além de informar te fazer refletir, os tempos atuais precisam de uma atenção especial, precisamos nos rodear de informação e saber que toda escolha reflete na vida de um coletivo, não podemos pensar como um mas como todos, não deixe nossa voz ser calada e nossa história ser apagada. Reflita com inteligência e empatia é o seu futuro e o futuro de uma nação.