Quando eu era criança, adorava escrever cartas para o Papai Noel. Além de pedir presentes como autômatos inteligentes e meu próprio carro de fórmula 1, eu falava da minha vontade de conhecer a casa dele, a fabrica de brinquedos, os duendes e toda aquela magia. Quase sempre incluía desenhos dessas aventuras. O Papai Noel às vezes ligava pra minha mãe ou passava no trabalho do meu pai pra dizer que os duendes não conseguiram fazer o robô esse ano e coisas do tipo, mas o velho batuta nunca me respondia pessoalmente.

A coisa era bem diferente na casa da família Tolkien. Seus filhos John, Michael, Cristopher e Priscilla recebiam cartas do Papai Noel todos os anos. Como conta o biógrafo Michel White, que escreveu J. R. R. Tolkien – O Senhor da Fantasia, lançado no Brasil pela Dark Side (li recentemente e recomendo):

“Tolkien escreveu a primeira carta em 1920, quando John tinha três anos. Talvez sua inspiração fosse a descoberta, entre seus papéis, de uma carta que sua própria mãe havia escrito ao Papai Noel, em seu nome, quando J. R. R. Tolkien tinha apenas dois anos. O envelope da primeira carta de Tolkien a John era endereçado à senhora Tolkien e ao senhor John Francis Reuel Tolkien, Alfred Street, 1, Oxford, Inglaterra. Dentro, uma carta descrevendo a casa do Papai Noel, junto com ilustrações produzidas cuidadosamente. A partir de então, a cada ano, o envelope trazia um selo novo, desenhado e pintado exclusivamente para ele, e dentro poderiam ser encontradas notícias do Polo Norte reportando as últimas experiências e atribulações do Papai Noel. Gradualmente, as histórias se tornaram mais elaboradas e um grupo de personagens, incluindo o Grande Urso Polar, a Grande Foca e os Elfos da Neve, foi apresentado.

 

Filhos de Tolkien, sua esposa Edith e uma babá, em algum momento da década de 20.

 

Reunidas, as cartas do Papai Noel eram uma bela relíquia de família e demonstram o seu percurso, conforme vai mudando com a passagem dos anos. Em 1924, as cartas a John haviam se tornado cartas para John e Michael. Depois disso, e pelos próximos anos, os destinatários eram “John, Michael e Christopher Tolkien” e, em 1929, lia-se no envelope “J&M&C&P Tolkien, Northmoor Road, 22, Oxford, Inglaterra”, com a carta endereçada aos “Queridos Meninos e Menina”. Mas então, conforme o tempo passava e os meninos cresciam, temos envelopes endereçados a cada vez menos Tolkiens, até 1938, quando Christopher, agora com 14 anos, é considerado velho demais para essas coisas e Priscilla, com nove, torna-se a única a receber as cartas. E assim permanece até 1943, quando a última carta para Priscilla é assinada com “Muito amor do seu velho amigo Papai Noel” “

 

Escritas em segredo pelo próprio pai, as cartas traziam os relatos do Papai Noel e seus amigos sobre as últimas aventuras vividas no Polo Norte, que iam de coisas triviais até guerras contra os trasgos que viviam nas cavernas abaixo da casa. Alimentadas ano após ano pela fértil imaginação de Tolkien, a mitologia que ele criou em torno do Papai Noel para os filhos incluía até um alfabeto próprio.

“Tudo aconteceu assim: num dia de muito vento, em novembro passado, meu gorro saiu voando e se enganchou no topo do mastro do Polo Norte. Eu disse para o Urso-Polar não fazer aquilo, mas ele escalou até a ponta fininha do mastro para pegar o gorro – e pegou. O mastro se quebrou ao meio e caiu no telhado da minha casa, e o Urso-Polar do Norte caiu pelo buraco que ele fez na sala de jantar, com meu gorro em cima do focinho; a neve toda caiu do telhado para dentro da casa, derreteu e apagou a lareira, escorreu para os porões, onde eu estava guardando os presentes deste ano; e o Urso-Polar do Norte quebrou a perna. (p.21)”

 

Alguns anos após a morte do autor, a família reuniu as cartas e desenhos no livro ‘Cartas do Papai Noel’. Ricamente ilustrado, o livro permite aos fãs descobrir uma nova faceta do autor idolatrado: a de pai, ao mesmo tempo em que pode ver, fascinado, como o maior mestre da fantasia de todos os tempos aborda esse universo cheio de magia do Papai Noel em histórias sem nenhuma pretensão comercial ou acadêmica, já que foram escritas apenas para fazer a felicidade dos filhos.

Cartas do Papai Noel foi lançado no Brasil pela Martins Fontes em 2012, em uma bela edição de 168 páginas que é um excelente presente de Natal para qualquer fã de Tolkien.