Todo Amor do Mundo Cabe em 8gb é um conto de ficção científica disfarçado de romance, ambientado em Manaus futurista (pero no mucho) e publicado semanalmente aqui, no Mapingua Nerd /Imagem: Ingridy Reis


-Oi?

-Um lápis. Você teria um lápis para emprestar?

Ele entregou sem jeito, com medo de que o lápis derretesse na mão e ela pegou um pouco apreensiva.

Foi rápido. Simples e fácil.
E nada derreteu.
E foi ótimo também – Pensou ele depois – Que tivera o reflexo de enfiar o novo desenho que estava fazendo embaixo do caderno a tempo.
Imaginava se ela tinha alguma suspeita de que ele era algum tipo de doente psicopata (e desconfiava de que ela já possuía esse tipo de desconfiança), mas a dúvida logo se desfez quando ela voltou a sentar à mesa em que estava com seus amigos, que o olhavam como ele fosse uma atração de um zoológico, algum animalzinho raro em extinção. Voltou pra casa aquele dia cabisbaixo, lembrando o modo como os amigos de Lia o observavam, entre cochichos e risadinhas. Quem sabe não era hora de procurar outro lugar pra ficar além da biblioteca? Chegou em casa, cumprimentou o avô na poltrona (que agora se rendera aos benefícios do d-hand, e se divertia com uma pescaria simulada), não recebeu o cumprimento de volta e foi direto para o quarto.
O quarto de Guilherme era uma pequena fortaleza branca.
Cama num canto, guarda-roupa no outro, eletrônicos e bugigangas espalhados… Mas no meio, bem no meio do quarto, ficava a mesa onde ele costumava desenhar. Sentou-se se sentindo um fracassado (como já fizera outras milhões de vezes), mas dessa vez era diferente. Passou o dedo indicador em sua entrada no pulso, pensativo. Onde foi que todos começaram a se perder? Por que era tão fácil pra todo mundo e ao mesmo tempo, tão complicado pra ele?
Abriu a gaveta à direita e o encontrou. Lá estava ele. Seu pequeno exemplar do Drive-In-hand. Tão pequeno… E tão necessariamente inútil. Ficou passando entre os dedos, o vermelho-preto com o pequeno 8 com um raio cravado no meio do aparelho.
Talvez fosse hora de se juntar a festa. Talvez fosse hora de se tornar “normal”.
Posicionou o d-hand perto da entrada do pulso, se perguntando qual aplicável deveria baixar para preencher um pouco da sua memória quase intacta. Mas acabou desistindo. Ao invés disso, pegou seu caderno de desenhos e se pôs a desenhar.
Sua modelo favorita.

O d-hand foi jogado no canto da gaveta e lá ficou, no escuro.