Não é difícil encontrar, nos jogos, elementos da cultura europeia, com dragões gigantes e cavaleiros de armaduras brilhantes, ou asiática, como yokai e ninjas. Mas já pensou como seria ver nossa própria cultura em um game? É o que podemos esperar do jogo Snakeborn, do estúdio “Flameseed”.

“Nossa cultura local é incrivelmente rica e acreditamos que ela não foi levada para o exterior com o nível de grandiosidade que ela merece”, contou o game designer do estúdio, o amazonense Felipe Lobo.

Manaus, 2118 – O enredo do jogo

Snakeborn levará o jogador um século a frente, contando a história de uma jovem ribeirinha que, ao voltar de uma festa com os pais em uma canoa, acaba testemunhando a invasão da cidade de Manaus por uma potência mundial; Durante o ataque, uma grande cratera é aberta no meio do Rio Amazonas, fazendo com que ela caia nas águas agitadas e se perca dos pais.

A garota acaba sendo resgatada por uma das cientistas, que está liderando a incursão na região. Sem memória, a menina é adotada pela cientista, recebe o nome de “Adana” e passa a ser criada como uma máquina de guerra dentro do novo império, estabelecido em cima da cidade de Manaus.

“Durante uma missão em um lugar remoto, Adana acaba por se ver sozinha e sem recursos, tendo que retornar para a cidade a pé. E é ao longo dessa caminhada que ela vai se reconectar com as origens amazônicas dela”, explicou Felipe Lobo. “O jogo irá tratar bastante sobre essa questão de resgate da identidade regional”, revelou.

O design e as inspirações

O jogo será um RPG 3D de mundo aberto, com o estilo gráfico baseado em low-poly (baixo polígono); modelo gráfico que permite rodar na mesma qualidade de computadores modesto até o mais caro. “Estamos buscando desenvolver um jogo acessível, para que possa ser jogado mesmo por quem não tem um PC Gamer”, explicou.

No futuro distópico da Adana, que está sendo criado pelo Estúdio Flameseed, haverá uma mistura do folclore local com referências do universo Cyberpunk e elementos da cultura pop dos anos 80-90.

“Estamos pegando referências de obras como Ghost in the Shell e Blade Runner, além também de referências dos anos 80-90 para colocar uma pitada nostálgica para as pessoas que viveram essa época e acompanharam os monstros gigantes da cultura nipônica ou os robôs gigantes Mechas”, revelou Felipe Lobo. “Só que, em vez do Godzilla ou dos Mechas, os jogadores encontrarão personagens lendários, como a Cobra Grande e o Mapinguari”, completou.

De acordo com Felipe, a maior inspiração do estúdio para criação do Snakeborn é do jogo mexicano “Mulaka”, lançado no início de 2018. “O Mulaka aborda sobre uma cultura regional do norte do México, a tribo Tarahumara. Foi criado por um estúdio pequeno (10 pessoas), utiliza gráficos low-poly semelhantes aos que estamos querendo desenvolver e fizeram um trabalho maravilhoso”, afirmou Felipe. “No meu ponto de vista, esse jogo é uma obra-prima. Os produtores levaram a cultura mexicana para além das fronteiras do país”, conta.

Foto: Jogo Mulaka

E tal qual o jogo inspirador, a Flameseed também planeja traduzir Snakeborn para vários idiomas para disseminar a cultura regional para o mundo. “Queremos dar ao mundo um gostinho da Amazônia em meio à ficção, como ocorreu nos filmes do Senhor dos Anéis na Nova Zelândia e do The Witcher da Polônia”, explicou.

Lançamento

Atualmente o estúdio está desenvolvendo a demonstração do jogo (que deve ficar pronta em novembro) e em busca de investimentos. Nessa jornada, o estúdio conseguiu ser o único projeto amazonense aprovado para a rodada de negócios no “Festival Maranhão na Tela”, que será realizado nos dias 16 e 17 de novembro.

“Estaremos também com um stand na “Feira do Polo Digital de Manaus”, nos dias 27, 28 e 29 de novembro, onde levaremos a demonstração do jogo, várias artes conceituais, além de brindes para os visitantes; para começar esse trabalho de divulgação e relacionamento com possíveis parceiros”, explicou.

Espera-se que o jogo fique pronto a partir de 2020 se for alcançado os recursos suficientes para produzi-lo. “Se conseguimos um investimento no valor do qual estamos pensando, conseguiríamos lançar em dois a três anos com um produto final muito bom. Entretanto, sem esse recurso, não tem como dar uma data precisa, mas posso garantir que já estamos fazendo”, revelou Felipe.

Foto: Arte conceitual do Snakeborn

História pessoal motivou o jogo

O game designer da Flameseed contou que o projeto Snakeborn é fruto de um desejo de infância, na periferia do São José 2, bairro periférico da zona leste de Manaus. “Quando a Gradiente ainda fabricava SNES em Manaus, havia muitos colegas crescendo e pensando em trabalhar com jogos, mas acabaram indo para outros rumos (alguns bem escusos) por ouvir dos pais que ‘trabalhar com jogos é coisa de rico e não dá para fazer isso”, contou.

De acordo com Felipe, este pensamento perdura até hoje, principalmente por Manaus ser uma cidade primariamente industrial, onde os recém-formados do ensino médio ou vão trabalhar no distrito ou fazer em algo melhor. “As indústrias estão ficando cada vez mais saturadas, então creio que o desenvolvimento de jogos entre como uma das tantas soluções para empregabilidade dos jovens em Manaus”, explicou.

Segundo ele, as desenvolvedoras de jogos em Manaus só contratam pessoas muito capacitadas, que acabam vindo de fora, o que desmotiva os estudantes locais.  O sucesso de Snakeborn serviria então como inspiração. “Queremos fazer uma coisa grande, que dê certo, para que sirva de inspiração para os jovens locais, que são talentosos e não tem espaço por iniciativas vigentes”, contou.

Além dos jovens, existem pessoas que querem contar uma história e utilizar o poder dos games para disseminá-las. O conceito original do Snakeborn, a cada missão que Adana pegar queremos que apareça o nome da missão e quem foi o autor da missão, dando ênfase principalmente às autoras mulheres. “Queremos que escritoras mulheres participem da criação dessas missões dentro do universo do qual estamos construindo, contando histórias e relatos a partir do ponto de vista feminino”, disse.

“A produtora de The Witcher 3 contratou cerca de 200 escritores só para desenvolver as missões e os diálogos do jogo; nós queremos trazer isso para nosso jogo também, empoderando as mulheres”, concluiu. “Tenho uma amiga cantora indígena, Djuena Tikuna, que é muito talentosa e possui um nível musical que faz par com outras trilhas sonoras que vemos em jogos famosos e ela foi embora para o Maranhão por não ter reconhecimento local”, relatou Felipe. “Inclusive espero que ela faça trabalho de dublagem e produza faixas para o nosso jogo, caso ele for adiante”, contou.

Foto: The Witcher 3

Sobre a Flameseed e os produtores do jogo

A Flameseed nasceu na pós-graduação em desenvolvimento de jogos, ano passado, quando Felipe Lobo, criou uma versão não finalizada do jogo da Adana, para um trabalho; o qual alcançou bastante popularidade. Depois de várias reuniões e de criações de grupos no WhatsApp e no Facebook, além de desistências, o grupo obteve “pessoas empenhadas a terminar o jogo”, com os seguintes componentes.

Game Designer/Produtor Executivo – Felipe Lobo
Artista 3D/Arquiteto – Rafael Vasconcelos
Música/SFX – César Lima (Across Music Production)
Programador #1 – Von Held
Designer de moda – Dormalis Lira (Kozmo Designs)
Arquiteta – Luisa Roa
Programador #2 – Matheus Palheta
Artista Conceitual – Gilvan Lira

Sendo que todos eles trabalham voluntariamente no grupo.