Atenção: Esta é uma obra de ficção. Todos os serumaninhos mencionados serviram apenas como inspiração para a obra e em nada aqui relatado condiz com a realidade.


Parte 6: O Artesão de Sonhos – O Jardim das Sakuras  

Alberto planava na escuridão total. Era como se estivesse no espaço. Lembrou inicialmente dos astronautas. Mas nessa escuridão não havia nenhuma estrela e ele sabia que estava em um lugar bem mais complexo.

O silêncio era absoluto e por um bom tempo permaneceu assim enquanto ele tentava entender onde exatamente estava. E logo esse silêncio foi quebrado pelo bater de asas de um pequeno pássaro que vinha em sua direção.

Era um Uirapuru. Ele parou a poucos centímetros de distância dos olhos de Alberto e abriu suas asas fitando-o incessantemente.

– Onde eu estou? – Alberto perguntou confuso.

– Pode ser o espaço… já que foi sua primeira impressão – Disse o Uirapuru com uma voz masculina suave na mente de Alberto.

Em seguida, o pássaro bateu suas asas uma vez e o escuro foi tomado completamente por estrelas.

Alberto estava espantado. Não restavam dúvidas de que aquele pássaro tinha trazido todas as estrelas pra lá.

– O que está acontecendo aqui?

– Eu trouxe você aqui, Alberto. Porque está na hora.

– Na hora do quê?

– Está na hora de você despertar!

– Despertar do quê? Quem é você? Duvido que você seja apenas um pássaro…

– Eu não sou apenas um pássaro. Esse lugar não é apenas o espaço. E você não é apenas um ser humano… Ela vai explicar tudo a você…

O Uirapuru bateu as asas mais uma vez e a escuridão tomou tudo novamente até que Alberto não pudesse ver mais nada.

Manaus, 10 de junho de 2017

Alberto acordou. Estava confuso e ofegante. A escuridão do final do sonho parecia sufocá-lo até que o vazio tomasse todo o seu ser. Era uma agonia que parecia não ter fim. Era uma agonia real.

Mas não era hora para pensar muito sobre isso, ele precisava se apressar. Tinha aula de francês e já estava atrasado.

Era próximo do meio dia quando decidiu almoçar no Manauara shopping. E mal tinha desci as escadas rolantes quando encontrou Lívia.

Alberto havia encontrado com Lívia três vezes em sua vida:

A primeira vez foi há oito anos, quando ele tinha quinze. Lívia tinha dezoito à época e eles se conheceram dois dias depois que ela havia terminado um namoro de quatro anos. Ela havia ido para frente da casa dele onde eles conversaram por horas. Ambos sabiam que tinham muito em comum, como aquelas conexões de almas que se reencontram.

Eles sabiam na primeira hora de conversa que havia algo único ali. Algo que se encontra apenas uma vez na vida. Mas ela estava em pedaços. Tinha sido um término horrível. Traições, jogos psicológicos, abusos machistas… Ela havia sofrido por muito tempo e finalmente conseguiu dar um basta.

O que estava acontecendo ali entre eles era tão puro e bom que ela cedeu e eles se beijaram, mas ela estava confusa. Algo novo e verdadeiramente bom nascia da conversa dos dois, mas ela não estava pronta para aquilo. Por mais benéfico que fosse ainda era cedo demais. Ela não estava livre e tão pouco pronta. Ela fugiu. Pediu desculpas a ele e foi embora às lágrimas.

Na segunda vez que eles se encontraram foi no Manaus Fantasy há uns cinco anos. Alberto odiava esse tipo de festa e até hoje se pergunta como conseguiu ser persuadido pelos colegas de trabalho. Ele havia passado boa parte da festa distante da multidão, sentado esperando o tempo passar quando Lívia passou de mãos dadas com um cara.

Ela o viu e o abraçou e apresentou o novo namorado. Isso acabou de vez com sua noite. Principalmente quando ela olhou para ele como quem desejasse que ele tivesse aparecido antes.

A última vez foi há dois anos. Alberto estava com a namorada na fila para comprar ingressos para o cinema quando Lívia saiu da sessão anterior com uma amiga. Lívia estava solteira, mas Alberto não.

E ele se sentiu mal por sentir que não estava com a pessoa certa, mas não podia simplesmente acabar o namoro pra ficar com outra pessoa. Não seria certo. Alessandra, sua namorada à época era uma pessoa boa e eles tiveram muitos momentos felizes. E mesmo assim, Lívia jamais o aceitaria nessas circunstâncias.

Durante todos esses anos, Alberto não desistiu. Mas não poderia esperar que ela ficasse solteira novamente. Ele correria o risco de repetir a mesma cena que aconteceu na primeira vez que se encontraram. Ele simplesmente percebeu que não poderia viver em função dessa esperança e deixou para o destino essa responsabilidade. Se um dia eles tivessem que ficar juntos, eles ficariam. Não importa o que houvesse.

E agora ele descia a escada rolante em direção da Lívia que já o vira e o aguardava com o melhor sorriso que ela poderia ter. Ele estava solteiro e ela não parecia estar acompanhada.

Ele a abraçou forte. Deu um daqueles abraços que faz com que você sinta mesmo que por alguns instantes que são uma só pessoa.

– Quanto tempo, Alberto! – Lívia mostrava leveza em sua voz. Uma leveza que ele nunca viu em todos esses anos.

– Sim! Como você está? – Alberto já calculava as perguntas que faria até perguntar se ela estava com alguém.

– Eu estou bem. E vou pular as formalidades e te dizer uma coisa: Eu sei que nesses oito anos nós nos desencontramos. Mas eu decidi te esperar. Depois da última vez que nos encontramos há dois anos, eu não quis correr o risco de encontrar alguém legal e te encontrar acompanhada como aconteceu na segunda vez que nos encontramos.

Alberto estava estarrecido. Não dizia nenhuma palavra. Estava impressionado como ela havia contado o tempo assim como ele e como ela havia esperado por ele todo esse tempo. Ela continuou:

– Eu só quero te dizer que eu senti algo único na primeira vez que nos conhecemos. E jamais consegui sentir algo próximo disso. Meu coração está finalmente livre de todas as marcas do passado e eu o guardei durante todos esses anos para você.

Alberto sentiu seu corpo inteiro formigar. Seu corpo aquecia e se enchia de euforia.

– Talvez você esteja com alguém, não sei. Mas quero que você saiba que mesmo que esteja com alguém, eu vou continuar a te esperar porque se tiver que esperar a vida inteira para sentir novamente tudo aquilo que senti há oito anos, eu irei esperar porque eu sei o quanto vale apenas esperar por isso.

– Mas… Eu estou solteiro. E meu coração está livre também – Alberto disse sorrindo.

Ela então o abraçou e o beijou ali mesmo. Ele finalmente pegou na mão de Lívia.

– Se dependesse de mim nunca mais largaria sua mão!

– Então não larga!


Alberto estava andando por uma praia. Já era noite. E desde pequeno era fascinado pelo mar. Gostava de sentir a areia em seus pés enquanto se perdia em pensamentos olhando para o mar.

Mas nessa praia havia auroras boreais coloridas que iluminavam a praia. O céu estava repleto de estrelas. Era a visão mais bonita que ele já teve na vida.

– Espero que tenha gostado desse desenho. – uma voz feminina e imponente ecoava por todos os lugares.

Alberto procurava de onde vinha aquela voz.

– Seus ouvidos não me encontrarão, Alberto. Se quiser me encontrar, você terá que usar sua intuição.

– Intuição? Como assim? Que papo é esse? Eu sonhando?

– Apenas se concentre. Sim, você está sonhando e esse é o seu Reino! Sinta como ele é parte de você. E ao sentir isso, você saberá se guiar até mim.

Alberto se concentrou. Era como se estivesse ligado a tudo aquilo. Como se fosse uma extensão de si mesmo. Sentiu também um cordão de prata quase invisível ligado a parte posterior da sua cabeça bem próximo a nuca. Mas não conseguiu encontrar a outra ponta do cordão.

Ele sentia aquele lugar inteiro como se saísse da sua alma. Cada milímetro, cada ponto de luz emanava de si. Como feixes que invisivelmente se conectavam a ele. Um dos fios brilhava forte e ele sabia que levaria a voz que falava com ele. Alberto segurou aquele fio com força fechando os olhos.

Ao abrir, estava no topo de uma montanha. Havia uma mulher ruiva de costas para ele a sua frente. Uma grande esfera parecida com um planeta gigantesco parecia estar bem próximo a Terra.

– Bem vindo, Alberto! Eu me chamo Helena! – A mulher disse se voltando para ele.

Alberto ainda estava admirado com a paisagem e com Helena. Era uma mulher linda de seus trinta e poucos anos e automaticamente se lembrou de Lívia, sorriu sozinho e voltou a olhar o “planeta” a sua frente.

– Que planeta é esse? – Perguntou, mas logo em seguida se arrependeu de tentar encontrar lógica em um sonho.

– Nós estamos entre o limite da realidade e o mundo dos sonhos. Aquela praia era no seu subconsciente. Aqui onde estamos é fora dele. Você não está mais na sua mente. Ali embaixo, o mundo real respira e à sua frente o mundo dos sonhos dança com o caos.

– E o que estou fazendo aqui? Por que me trouxe até aqui?

– Você é o escolhido do Uirapuru. E estou aqui para lhe dar sua primeira lição.

– Escolhido do Uirapuru? O que isso significa?

– Significa que você pode vagar no mundo dos sonhos e moldá-lo conforme sua vontade. Bem… Considerando certos limites diretamente ligados ao poder contido nas suas habilidades.

Alberto ouvia atentamente.

– No mundo dos sonhos você pode ter acesso aos sonhos de qualquer pessoa. E os sonhos tem grande influência nas nossas vidas. Você pode fazer diversas coisas, que variam desde fazer alguém mudar de opinião, descobrir seus segredos mais íntimos e até matá-la.

– E como faço essas coisas?

– Tudo gira em torno dos níveis de inconsciência da pessoa. A única coisa que não envolve esses níveis é matar. Para isso você apenas precisa puxar esse fio de prata. Ele é o que liga a alma ao corpo e um não vive sem o outro. É claro que existem outras formas de matar alguém, mas isso não faz parte da sua primeira lição.

– E como eu entro no subconsciente de alguém?

– Você pode ir pelo mundo dos sonhos, saindo daqui de onde nós estamos ou você pode ir olhando diretamente nos olhos da pessoa. A partir de agora, quando você olhar nos olhos de alguém por alguns segundos, conseguirá ver as portas para seu subconsciente e assim poderá projetar sua mente para lá. Por isso recomendo que você esteja em um lugar seguro.

– Acho que entendi.

– Não é algo difícil. Você verá. Mas agora preciso ir. Quem sabe a gente se encontra por ai! – Helena se despediu sorrindo.


Já anoitecia quando Alberto acordou. Já estava quase na hora de sair. Ele tomou um banho, se arrumou e saiu apressado. Iria encontrar alguns integrantes do Mapingua Nerd no Limerick Bar em alguns minutos. Passaria antes na casa de Lívia para buscá-la. Haviam decidido que passariam todos os momentos que pudessem juntos.

Mas ao chegar à casa de Lívia a porta de entrada estava aberta. O que era muito estranho. Ele ligou para Lívia, mas o telefone dela parecia estar desligado. Algo estava errado. Desligou o carro e saiu para verificar.

Olhou para dentro cautelosamente, mas não viu ninguém. Passou o quintal e viu a porta da casa aberta. Tinha a impressão que ela e a amiga que morava com ela haviam saído às pressas ou algum ladrão havia entrado na casa.

Se aproximou lentamente. Nunca havia enfrentado um ladrão na vida e mesmo com o “novo poder” adquirido, duvidava conseguir se concentrar olhando nos olhos de um bandido durante uma luta corporal.

Não, definitivamente não poderia usar isso em um confronto. Então precisaria tomar cuidado de qualquer forma.

Ao entrar na sala, viu tudo revirado. Como se alguém tivesse entrado e procurado por bens de valor e no canto inferior esquerdo, sentada no chão e encostada na parede, ele viu Vitória, a roommate de Lívia completamente ensanguentada. Sua mão cobria uma perfuração na barriga que teria ocasionado a forte hemorragia. Tocou a jugular de Vitória. Ela estava morta.

Por um instante Alberto ficou paralisado. Ele teve medo de que o mesmo tivesse acontecido a Lívia e isso quase o fez entrar em desespero. Ele precisava ser forte, se concentrar e encontrar Lívia o quanto antes.

Foi em direção ao quarto de Lívia devagar. Controlando todos os seus impulsos. O ladrão ainda poderia estar ali. Olhou cômodo por cômodo e não havia ninguém. Até que chegou no quarto de Lívia.

Ao olhar para o quarto ele caiu de joelhos no chão com o que viu. Lívia estava nua e havia sangue por todo o lado. Havia cortes profundos em todo o seu corpo. Abusaram do corpo de Lívia de todas as formas possíveis. Ela estava sozinha e ainda parecia consciente embora estivesse completamente sem forças, só conseguia soluçar.

Alberto chorava desesperadamente enquanto ia em direção de sua amada. Pegou o telefone e ligou para a ambulância. Tentava de toda forma falar com Lívia, mas ela não respondia a nenhum estímulo. Ela apenas soluçava e olhava para o vazio. Havia muitos ferimentos e ele sabia que restavam poucos segundos antes que ela morresse.

Ele olhou nos olhos dela e viu a porta. Ele entrou.

Tudo girava como se estivesse num furação de imagens e ele não conseguia se concentrar em nada e gritava enquanto girava cada vez mais. Mas ele se lembrou de concentrar e lembrou-se dos fios. Assim conseguiu ver os feixes do subconsciente de Lívia e conseguiu acalmá-la. Mas as imagens do que aconteceu continuavam passando e ele sentia toda a extensão da dor que ela sentiu. Ver tudo aquilo era insuportável e ele conseguiu apagar essa memória dela. Ela finalmente relaxou.

Mas ela estava morrendo e logo a perderia. Ele viu a materialização do consciente dela ir sumindo aos poucos. Tinha a mesma forma que o corpo de Lívia. Ela estava de frente para ele. Ele fechou seus olhos e quando ela abriu, estavam em um lindo jardim cercado de sakuras.

– Você se lembra…

– Claro que lembro. São suas flores preferidas. – Alberto não conseguia parar de chorar.

A imagem do consciente de Lívia se desfazia cada vez mais. Ele a abraçou forte.

– Não chore, meu amor. Eu vou ficar bem. Agora tudo vai ficar bem. Você me salvou. Eu sempre estarei com você e ainda nos encontraremos de novo, eu prometo!

O consciente de Lívia se desfez por completo junto as folhas de cerejeira que eram levadas pelo vento.

Alberto fechou os olhos controlando todo o ódio que havia nele. Haveria um outro momento em que ele poderia sentir toda essa dor que o tomava.

Mas agora não. Ele havia visto o que havia acontecido e memorizado o rosto do homem que fez isso com Lívia. Agora só precisava encontrá-lo e vingar a morte da mulher da sua vida.