Atenção: Esta é uma obra de ficção. Todos os serumaninhos mencionados serviram apenas como inspiração para a obra e em nada aqui relatado condiz com a realidade.


Parte 4: O Viajante do Tempo – Um Último Adeus

Manaus, 16 de julho de 2013

Um dos dois motores falhou.

A aeronave modelo BE-58 havia acabado de decolar e mal tinha saído dos limites do Terminal de Passageiros 2 do Aeroporto Internacional Eduardo Gomes quando um dos seis ocupantes percebeu a fumaça negra vinda do motor esquerdo da aeronave, alertando a todos.

O Piloto também notou e tentava a todo o custo fazer o que podia para evitar a queda iminente.

Nathália, uma das cinco tripulantes tentava acalmar sem sucesso os demais passageiros que começavam a gritar desesperados. Não havia muito a fazer e todos sabiam disso.  

Ela sabia que tinha apenas alguns segundos de vida.

Ela queria ter mais tempo. Queria ter vivido mais.

Começava a chorar ao perceber a injustiça que era ter apenas poucos segundos até que sua vida fosse apagada.

Ela se lembrou de Ayrton. O amor de sua vida que a havia deixado no aeroporto poucos minutos atrás.

O fogo consumia incrivelmente rápido a fuselagem e quase como um piscar de olhos toda a aeronave estava em chamas.

Lembrou-se de todos os planos, de todos os sonhos que suas mentes tão jovens seriam capazes de sonhar juntos. E como eles sonhavam!

Jamais saberia se todas as promessas que fizeram um ao outro se cumpririam.

O fogo já tomava a cabine e quase toda a parte interna. Nathália viu horrorizada metade da tripulação em chamas. Eles gritavam enquanto o fogo queimava seus corpos.

Mesmo tão jovens vivendo a plenitude de seus quinze anos de vida, mesmo com tantas dúvidas em relação ao futuro, nunca lhe restou dúvida alguma que ele era o homem certo pra ela.

O fogo lhe alcançou e a consumia lentamente nos instantes que precediam o contato com o chão.

“E se eu morrer, você vai se lembrar de mim?” lembrou quando disse a ele uma vez recebendo um “Eu jamais te esquecerei.” E então ela sorriu brevemente esperando que as palavras dele se tornassem verdade.

Manaus, 10 de junho de 2017

Ayrton acordou assustado. Havia sonhado novamente com a queda. Não entendia como seu inconsciente pudesse ser tão cruel ao lhe mostrar por tantas vezes o amor de sua vida em chamas.

Ele podia sentir toda sua dor. Todo seu desespero. Era a pior dor que ele poderia sentir. Simplesmente por não ser nele, mas sim em quem ele mais amou.

Achava que estava começando a enlouquecer em sonhar o mesmo sonho quase todas as noites por quase quatro anos.

Ele se recusava a se entregar a soluções paliativas como álcool ou outros entorpecentes. Ele enfrentava todo esse tempo de luto sóbrio. Contendo tudo isso dentro de si todos os dias.

Ele levantou por fim. Sua vida precisava continuar.

As lembranças dela estavam em todos os lugares, incluindo a caneca que tinha um jogo da velha no seu corpo e das marcas de lápis que nunca saíram mesmo ela tendo escovado por tantas vezes.

– Essa é a primeira vez na minha vida que eu não consigo apagar marcas de LÁPIS! – disse a si mesmo, extremamente desapontado. Tentando esfregar mais uma vez com Bombril e detergente.

– Eu não quero apagar você, Nathália. Um dia eu prometi que jamais te esqueceria. Você está em todo lugar e em todos os meus sonhos. Mas eu preciso pelo menos tomar café sem sentir tanto peso dentro de mim. – Disse a si mesmo esperando que ela o ouvisse onde quer que ela esteja.

– Eu sinto como se minha vida tivesse parado. Não importa o quanto eu tente seguir em frente, a vida esfrega isso na minha cara o tempo todo. – Disse enquanto percebia que precisava parar de falar sozinho. Isso não era um bom sinal.

O sol começava a se pôr quando ele olhou pela sua janela. Havia passado o dia em casa trabalhando em um freela tratando fotos para uma loja de roupas. Percebeu que tinha mais de duas semanas que ele não saia de casa. Batidas na porta. Uma notificação no whatsapp do Mário: “Bora. Abre ai. Tô na porta”. Abriu.

– Meu deus do céu! Que cheiro horrível! Um gambá apodreceu aqui ou é só cheiro de Ayrton mofado? – Mário já chegou reclamando.

– Ayrton mofado.. Você sempre se “superando”. – Disse rindo sem querer da piada idiota do amigo.

– Bora! Põe uma roupa decente. Star Wars Episódio VIII começa em uma hora. Eu deixei de ir à estreia porque você estava com frescura. Mas de hoje não passa! Anda!

Mario conhecia o amigo o suficiente pra saber como convencê-lo a sair de casa.

Saíram do cinema e foram até o estacionamento. Apoiaram-se no parapeito olhando o Parque dos Bilhares e parte da cidade. Foi exatamente ali que Ayrton conheceu Nathalia há mais de cinco anos atrás.

– Ok. Chegamos, vimos e vencemos… Partimos? – Mário estava impaciente. Sabia os estragos que esse lugar causava.

– Preciso de mais tempo. – Ayrton estava completamente distraído.

– Eu não vou te apoiar nisso, desculpa. Eu tenho meu limite. Eu odeio te ver assim e você é grandinho o suficiente para saber o que fazer. Vou pegar um taxi. – Mário começava a caminhar em direção ao shopping.

– Eu sei. – Ayrton ainda olhava para o vazio.

Mário parou. Olhou mais uma vez para o amigo antes de retomar seu caminho.

Quando Ayrton viu que estava totalmente sozinho, subiu no parapeito. Sentia o vento bater forte trazendo um pouco de paz.

– Você não vai pular, vai?! – alguém disse a ele em inglês britânico.

Ayrton quase caiu com o susto agachando e segurando no parapeito. Ele se virou e viu um homem por volta dos seus trinta e poucos anos, com cabelos castanhos curtos, um terno risca de giz marrom e um tênis. Atrás dele uma cabine de polícia britânica azul.

– Não! Eu jamais faria isso! Ela não me perdoaria nunca. Eu só queria sentir alguma coisa. Mesmo que fosse só o vento e… Eu sei quem é você!

– Você sabe? – O homem estava intrigado.

– Sim! Você é o Doutor!

– Interessante! Você me conhece!

– Claro! Existe uma série de TV sobre você!

– Existe? Sério?

– Sim!

– Ótimo! Isso simplifica as coisas! Quero que você venha comigo, o que acha?

Parecia que o destino havia sorrido para ele. Depois de tantos anos preso no limbo que sua vida havia tornado, finalmente uma chance de viver um pouco.

Ayrton sorriu de verdade pela primeira vez depois de tanto tempo.

Manaus, 16 de julho de 2013

A TARDIS havia parado finalmente. Ao sair, perceberam que ainda estavam em Manaus, na pista de pouso e decolagens do Terminal de Passageiros 2 do Aeroporto Internacional Eduardo Gomes. O terminal estava em reforma e pelas roupas das pessoas conseguiram presumir a época provável que estavam.

– Você só pode estar brincando, Doutor!

– Não dessa vez, Ayrton! Algo deve ter dado errado para pararmos aqui.

Ayrton saiu correndo em direção a um homem que carregava um carrinho de mão com cimento.

– Que dia é hoje?

– Você não sabe que dia é hoje? …e, afinal quem é você? Você não tem autorização para estar aqui! – espantou-se o homem.

– Secretaria de Aviação Civil. – O Doutor mostrou o papel psíquico para o homem – Estamos realizando testes psicológicos em todos os funcionários. Incluindo os funcionários da obra.

– Ah sim! Hoje é dezesseis de julho de dois mil e treze. – Respondeu prontamente como quem se esforçava para responder da forma mais correta possível.

Ayrton estava tremendo. Parou para tomar um pouco de ar. Não acreditava no que estava acontecendo. Ele finalmente teria a chance de salvar o amor de sua vida.

Nesse momento ele viu Natália e os demais passageiros indo em direção ao avião a pouco menos de cem metros de distância dele. Seus olhos se encheram de lágrimas e ele partiu em direção a ela.

O Doutor o segurou pelo braço.

– O que você vai fazer? Nosso caminho é na direção oposta! – O Doutor apontou para um Ood que caminhava em direção às obras no subsolo.

– Não, por favor. Aquele avião vai cair e todos eles morrerão! Eu preciso avisá-la!

– Você sabe que não pode ser tão egoísta, não é? A TARDIS não nos trouxe aqui para você salvá-la e você sabe disso.

– Não é justo…- Ayrton se apoiava no Doutor enquanto tentava conter as lágrimas.

– Eu sei. Mas tudo tem que terminar em certo ponto, do contrário nada nunca começaria.

Ayrton sabia que o Doutor estava certo. Sabia que não poderia interferir. Era o destino de Nathália morrer naquele dia. Se ele a salvasse, ela provavelmente morreria de outra forma. Talvez fosse de uma forma pior.

A ele só restava ver o amor da sua vida pela ultima vez.

– Adeus, Nathália. Eu nunca vou te esquecer. Eu prometo.


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