O debate sobre as mudanças climáticas nunca esteve tão em pauta. Num momento em que a floresta amazônica ganhou mais atenção da mídia e se tornou central no terreno da geopolítica, falar sobre a preservação do meio ambiente deixou de ser apenas um convite sobre o certo a se fazer e passou a ocupar o lugar de busca pela sobrevivência da humanidade. E Nausicaä do Vale do Vento, de Hayao Miyazaki, é a obra seminal que coloca a vida humana sob o risco de extinção após um grande período de guerras e destruição.

O mangá, publicado originalmente entre 1982 e 1994 no Japão – e de forma incompleta no Brasil pela Conrad entre 2006 e 2009 -, retorna este ano pela editora JBC em 7 volumes. O primeiro tem 128 páginas, capa cartonada e acompanha um belo pôster, além de uma ilustração interna que traz o mapa de Torumekia e um texto do autor sobre a personagem.

Sinopse: A poluição tomou conta do mundo. As águas, o ar e as florestas foram contaminados por causa do crescimento da industrialização. É nesse mundo caótico, onde até mesmo o ar é venenoso, e sem esperança que Nausicaä do Vale do Vento enfrentará uma jornada que decidirá o futuro da humanidade.

Não há como falar do mangá de Nausicaä sem falar de sua aclamada adaptação. Na época, apesar de já ter uma carreira invejável na animação, Miyazaki não conseguiu convencer a editora Tokuma Shoten a investir em um longa e teve que trabalhar numa obra serializada para apresentar seu projeto. Miyazaki não acreditava no seu talento como mangaká e por isso não enveredou por este caminho, mas a obra lhe rendeu frutos. O mangá foi um sucesso, ganhando sua adaptação em 1984. Ele mesmo, porém, só foi finalizado em 1994, com 59 capítulos. O longa é considerado como o início do Ghibli, apesar de anterior a sua criação, e marca os primeiros passos da parceria entre Miyazaki e Isao Takahata, co-fundador do estúdio.

Em Nausicaä duas coisas se destacam proeminentemente: a técnica inconfundível e bela de Miyazaki e sua capacidade de criar personagens cativantes. A princesa que dá título à obra é uma mistura da personagem do mito de Odisseu da ilha de Feácia, com uma heroína japonesa que adora insetos. Nausicaä é uma eximia guerreira do povo do Vale do Vento, uma pequena comunidade espremida entre o oceano e o Mar Podre, uma extensa floresta tóxica, habitada por insetos gigantescos, que se espalha pelo planeta desde a derrocada da civilização industrial.

Nausicaä precisa lidar com os problemas políticos que encaminham seu povo para a guerra de um império feroz e com a iminência da extinção que representa o avanço do Mar Podre e de suas criaturas. Estes desafios colocam a princesa em contradição uma vez que ela também é uma pacifista que ama todas as criaturas vivas, sim, até os insetos gigantes.

Além do carisma da princesa, parece haver nela uma capacidade única de se comunicar com outros seres. Ela acalma criaturas e sabe o que fazer em momentos de crise. Mas também é passional diante de injustiças, colocando-se constantemente em perigo. Não é exagero dizer que Nausicaä é o coração da narrativa e que, por meio dela, Miyazaki nos apresenta talvez o que ele considera um ser humano com características ideais. Alguém capaz de viver em equilíbrio com todos. Equilíbrio é algo importante aqui.

A tese que a obra propõe é clara e pode ser vista já neste primeiro volume: a humanidade caminha para um trágico fim, antagonizando com seu próprio lar pela sede de poder e controle. Mas há uma saída e Nausicaä está nos mostrando qual é.

Há muitas outras coisas para se apreciar em Nausicaä, como a construção deste mundo pós-apocalíptico que espelha o nosso, a criatividade de seu autor no design das máquinas voadoras, nas indumentárias dos povos e no ambiente do Mar Podre e seus insetos. São lindas páginas de uma narrativa com o que há de melhor dos clássicos da ficção científica e da fantasia, nos quadrinhos e na literatura.

Classificação:

Avaliação: 5 de 5.

AUTOR: Hayao Miyazaki
EDITORA/EDIÇÃO: JBC PUBLICAÇÃO: 2022
PÁGINAS: 128