Enquanto novos pensamos na velhice como um lugar distante ou como um parente indesejado que nos visita no fim do ano. Mesmo que seja janeiro ainda, a certeza é de que (se tudo correr como planejado) esse parente chegará e teremos que lidar com isso, gostando ou não. E quem gosta de estar velho? Em “A obsolescência programada de nossos sentimentos” o belga Zidrou e a holandesa Aimée de Jongh, nos brindam com uma bela história sobre dois idosos que encontram um no outro um recomeço.

Sinopse: O mundo de Ulisses para no tempo quando um corte de funcionários em sua empresa antecipa sua aposentadoria. Aos 59 anos, o viúvo se vê sem rumo e engolido pela solidão. O mundo de Mediterrânea salta no tempo com a morte da mãe. De repente, suas rugas parecem mais perceptíveis, as palavras alheias machucam e a idade pesa em seus ombros. Os dois passam seus dias envoltos em melancolia, enquanto tentam fazer as pazes com a realidade. Até que, um dia, seus mundos se encontram. Resultando em um turbilhão de novas emoções.

Obsolescência programada é um termo utilizado para designar a “validade planejada” de alguns produtos, forçando o consumidor a comprar um novo antes do tempo previsto. O termo emprestado é muito bem empregado aqui. Ulisses e Mediterrânea estão em momentos distintos mas igualmente desafiadores. Ela acaba de perder a mãe e se torna a mais idosa da família, já Ulisses se aposentou compulsoriamente do serviço de entregas e não sabe o que fazer com seu tempo livre.

Seguimos os dois na recém-percebida velhice, tentando se encaixar num mundo que parece colocá-los para escanteio enquanto falam de seus velhos medos, seus corpos e suas perspectivas para o fim. Esse clima melancólico continua até que eles se encontram e descobrem que ainda existe muita vida pela frente. Depois das perdas que sofreu e da aposentadoria forçada, Ulisses se sente ultrapassado, inútil. Para ele é como se o fim tivesse chegado cedo demais, como é de costume para quem nasceu prematuro. Já para Mediterrânea perceber que está envelhecendo desperta traumas e a machuca até nos detalhes.

A HQ é uma singela e poética mensagem de amor à vida. As visões de ambos sobre o processo de envelhecer são tocantes e cruas. Mediterrânea protagoniza uma bela sequência em que está se despindo diante do espelho enquanto o texto descreve o envelhecimento por meio de metáforas acerca do tempo e das mudanças que ele promove.

Aimée de Jongh é uma artista muito competente, com um traço cartunesco bem fluido, leve e expressivo. As cores, que ela assina junto de Michael Doig e Márcia Patrício, são vivas e ajudam a complementar a narrativa, marcando um estado de espírito ou a transição de tempo. O texto de Zidrou é claro, rápido e econômico, não é pretensioso nem guarda uma jornada épica, mas consegue ser carismático e verdadeiro.

A edição da editora Pipoca & Nanquim é simples, possui capa dura, formato 23 x 15.7 cm e papel couché de alta gramatura. A tradução é de Fernando Paz.

Classificação:

Avaliação: 4.5 de 5.

AUTORES: Zidrou, Aimée de Jongh 
EDITORA/EDIÇÃO: Pipoca & Nanquim PUBLICAÇÃO: 2022
PÁGINAS: 148

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