Um anônimo tenta abrir caminho em meio à multidão que se acotovela, empurra. Ele se move sem precisar olhar para a frente, quase num transe, e seus pés sabem exatamente onde ir. Ele se funde à massa, se perde em meio aos seus semelhantes. São todos iguais, vestem as mesmas cores e tem o mesmo rosto, coberto com a pintura de guerra. Eles vêm de todos os lados, mas seguem ao mesmo local. Uma construção monumental os atrai como um ímã.

À medida em que se aproximam, a atmosfera muda. O ar que se respira é diferente, os deixa ansiosos, atordoados, nervosos, viciados. Mas é o que escutam que deixa sua pele arrepiada, o coração acelerado. Primeiro um zumbido, que ganha ritmo, depois palavras. Um cântico, entoado por milhares de vozes.

Uma voz, destoante, faz com que ele retorne ao estado consciente. Ela o impede de entrar no templo. Pede provas de que ele tem o direito. Ele é tocado de cima a baixo, abençoado, e pode então mergulhar na escuridão. Sem medo, ele segue ao lado de seus irmãos, sem precisar falar, todos sabem o que está por vir. Ele sente que está próximo. E de repente a luz.

Finalmente o que ele vê é digno de nota. São milhares de devotos, que se aglomeram em torno de um grande vazio. Eles não se sentam, e agora não se calam. Do outro lado, uma massa uniforme se agita e se agiganta, seguindo a praxe da sua própria cerimônia.

A liturgia começa com a entrada de três homens de vestes negras. Sacerdotes responsáveis pelo cumprimento de todos os ritos. Mas a horda que os observa não lhes dá a menor atenção. Ela grita os nomes dos seus ídolos, seus deuses, antigos representantes do povo alçados à imortalidade pelo sacrifício na arena.

Quando as novas oferendas aparecem, a multidão urra. Os tambores vibram mais alto, mais rápidos, acompanhando o ritmo dos corações ali presentes. Lá embaixo, os homens para quem todos voltam os olhos ocupam seus lugares e esperam que o homem de preto, odiado carrasco, utilize o sagrado instrumento que apenas ele tem o direito de portar e que representa a divina justiça.

Um som estridente é ouvido, e a batalha tem início. Os homens, naquele momento mais que homens, saem de suas formações e avançam em direção aos inimigos que querem aniquilá-los.

A tensão é quase palpável. Ele sente os dedos dos pés se crispando involuntariamente. A perna treme. As batidas dos tambores são sentidas no estômago. A respiração é ofegante e o suor escorre pelo peito. A multidão pede sangue. A cada movimento dos heróis ele arqueja, agoniza, sangra junto. O tempo passa e ele não respira, mas entoa com a massa os gritos de guerra de seu povo.

Tem um sobressalto: num átimo, um dos guerreiros dispara, percorrendo o campo de batalha como uma flecha cortando o vento. Dois homens tentam impedir sua progressão, e acabam no chão, derrotados. O semideus avança como um aríete em direção ao arco, e apenas um inimigo está entre ele e o triunfo. Eles têm apenas milésimos de segundo para decidirem o próximo movimento. Pela primeira vez, tudo é silêncio. O adversário reluta, vacila por um ínfimo instante. Suficiente. Desfere-se o golpe mortal, impiedoso. É o êxtase. Ele sente cada partícula do seu corpo estremecer, vibrar, emanar uma poderosa energia, que precisa ser expelida a todo custo. Ela percorre o seu corpo, subindo rapidamente, até se aglomerar na garganta, e sair toda de uma vez, em uma voz que não é mais a dele, é a da multidão, que grita como se tivesse sido ensaiado, em uníssono: GOL!