Nerds, desde criança, somos ensinados a dar sentido a nós mesmos; através de coisas, atitudes, escolhas: nossa identidade se constrói em uma trama de gostos, valores, condutas. Incutidas em nós, nos fazem ao longo de uma vida, moldam o que somos.

Assim nossas construções de pensamento e caráter se cristalizam; indo e vindo com as inferências, referências; quando mais maduros, as escolhemos, montando um mosaico que julgamos coerente para definir nossa personalidade. Mas do que seria a beleza de ser especial, se nossas escolhas refletissem um conjunto uniforme, hermético num único tom de ideias e desejos? Do que seria a paixão da força criativa, aquela que move mundos, carregando os destinos da sociedade para o inesperado, se não fosse o ponto fora da curva? Quero dizer, e se, nem tudo o que definimos como “nós”, fizesse um sentido comum e factível?

Em 1989, eu era apenas um menino de dez anos que sabia que tinha que acordar cedo para ir para escola, estudar, tirar boas notas. Tinha que respeitar meus pais, meus irmãos e qualquer pessoa mais velha. Vivia minha vidinha dividindo o tempo entre as escolhas que meus pais impunham, executando-as da melhor forma que alguém da minha idade poderia fazer.

Em 1989 ele foi eleito Presidente do Brasil

Por respeitar a “ordem das coisas” me era permitido jogar meu Nintendinho duas horas por dia (mas sempre mediante o caderno de tarefas da escola devidamente com o visto da professora). Foi assim que, no meio de uma criação de tanta ordem e sentido, me deparei com a transgressão de Blaster Master.

Se alguém souber o que significa a propaganda “autêntica edição arcade” avisa

O game da Sunsoft partiu em dois minha percepção curta sobre os games; me fez perder horas me dividindo em ajudar o frágil menino Jason a explorar os cantos inacessíveis de um mundo de idas e vindas dentro e fora de um tanque que pula (!?). Essa mecânica absurda de pulo do tanque poderia ter me feito rir; mas funcionava tão bem dentro do universo do game que já nos primeiros segundos de gameplay, comprei a ideia, acreditando nela.

/Medo

Se não fosse o suficiente, o enredo, apesar de tão sem sentido, parece tão bem inserido nas suas peculiaridades de mecânicas, que sim, você vai querer salvar seu sapo de estimação que se perdeu; você crê que dentro do buraco que ele caiu existe um mundo subterrâneo gigantesco, que esconde um tanque de nome SOPHIA 3, uma roupa de astronauta; que você é o Blaster Master que deve explorar esse mundo para salvá-lo de alienígenas ameaçadores.

Imagina um desses debaixo do teu quintal

Mas essa não quebra de descrença só é possível em Blaster Master (aliás que nome lindo, sonoro, poderoso…) por conta do casamento perfeito de suas mecânicas de gameplay: foi com isso que o game falou de forma tão contundente à minha organização tão infantil; pois Blaster Master não impõe apenas um tipo de mecânica a quem joga: ele imbui as disparidades entre a exploração sidescrolling em dois planos e a ação frenética da visão aérea numa trama desafiadora; o desafio de sempre estar sendo inquirido nessas mecânicas alternantes me fez deixar de lado a ideia engessada de uniformidade, aprendida em games como Mega Man, Super Mario Bros, Metroid, para aceitar as multiplicidades do universo de Blaster Master como um game único para o seu tempo, reunindo o que havia de melhor nesses gêneros até então. Isso o tornou uma pérola de valor imperecível até hoje.

Fire in the hole!

Blaster Master, se tornou um clássico cult; citado frequentemente em listas de melhores games de todos os tempos. O ano de 1989 foi muito divertido para mim: fiquei de castigo algumas vezes por brigas com meus irmãos; por ter preguiça de ir à escola. Depois de muitas horas até finalizar o game, eu já não era mais o mesmo.

 

E ano passado, saiu um remake de Blaster Master para Nintendo 3DS e Nintendo Switch: e lá vamos nós, lá de novo e de volta outra vez.