“Quando você olha muito tempo para um abismo, o abismo olha para você.” (Friedrich Nietzsche)

Nas últimas semanas, a terceira e última temporada de DARK com certeza pôde receber a coroa de assunto mais comentado no mundo do entretenimento. E a que mais rendeu memes de “não estou entendendo nada”.

A primeira produção alemã original da Netflix já era um sucesso de crítica e público desde a sua estreia, no final de 2017. E se a série oferece muito conteúdo para os amantes de produções que envolvem viagens no tempo, física quântica, linhas temporais, ficção científica, um mistério envolvente e uma infinita quantidade de teorias, hoje estou aqui para falar um lado pouco discutido mas que me chamou muito a atenção durante as três temporadas: sua abordagem existencialista.

Não se preocupe, o texto não terá spoilers pesados.

Dark acompanha o cotidiano de quatro famílias da cidade fictícia de Winden, no interior da Alemanha. Suas vidas sofrem o impacto do desaparecimento de um adolescente, seguido do desaparecimento de uma criança poucos dias depois, e assim se inicia toda uma trama complexa para desvendar os mistérios e segredos dos moradores daquela cidade e de que forma suas vidas estão interligadas.

A série pode ser bem confusa em diversos momentos, e talvez você precise manter um caderninho de anotações para conseguir acompanhar os acontecimentos, mas se tem uma coisa impossível de negar é que Dark consegue jogar na nossa cara reflexões íntimas sobre relações humanas que talvez todos tenham feito em algum momento da vida.

O eterno retorno, a futilidade da própria existência. A teoria do caos, causa e consequência, o peso da culpa por existir. Dark é tudo isso e muito mais.

Da primeira temporada posso citar a cena em que Noah (Mark Waschke) está conversando com Helge ( Peter Schneider) sobre a existência de Deus, e conta que, quando garoto, um rapaz estranho o visitou. Esse estranho alugou um quarto ao lado do dele e Noah escutava o rapaz falar durante o sono, e uma das citações que ficou na sua cabeça durante anos foi a de que “Nada é em vão.” Quem assistiu sabe quem é o estranho.

Esse trecho acaba por ser o pontapé inicial para a reflexão proposta em um dos momentos mais fantásticos da série, protagonizado por Adam (Dietrich Hollinderbäumer) e Jonas (Louis Hofmann) sobre sentir aversão por tudo aquilo que é muito parecido com nós mesmos ou que nos carregue para a análise de alguma coisa que não gostamos em nós. Assim, essa lição que Noah aprende com o estranho quando era jovem é a de que nada, por mais ruim que seja, acontece em vão na nossa vida. São experiências que acabam por construir quem somos.  

A base do existencialismo está no tempo. E o tempo é o fator que move a série. Na visão poética de Dark somos apresentados a Deus como sendo o Tempo. “Como podemos ter tempo quando é ele que nos controla?” Da minha parte, acho essa uma das reflexões mais bonitas e sensíveis da série inteira.

Dark coloca diante de nossos olhos uma tonelada de simbologias sobre a visão dualista que temos a respeito do mundo: bem x mal, certo x errado, começo x fim. Uma verdadeira desconstrução de maquineísmos, sempre nos apresentando um ponto de vista diferente para mostrar que seus personagens possuem várias faces, nenhum sendo totalmente bom ou mal.

“Somos apenas uma pequena parte de um intricado nó”, é uma frase repetida diversas vezes em Dark. Ao longo de três temporadas a série sempre deixou bem explícita a abordagem filosófica sobre o tamanho do homem perante a imensidão do universo.  A existência de um ciclo, que é o conceito da eternidade na série. Somos a causa e consequência para estarmos onde estamos. É preciso terminar para começar. É preciso começar para terminar. Tudo está conectado, como a série sempre gostou de enfatizar.

Certamente você já ouviu muitas vezes por aí sobre destaques da série: a produção inteiramente alemã com cargas culturais que fogem do padrão americano, a direção fantástica de Baran bo Odar, a fotografia impecável, o roteiro bem planejado e fechado em seus três ciclos: começo, meio e fim. Tudo isso faz parte da intensa lista de motivos para você dar uma chance a essa incrível produção e eu espero que a abordagem existencialista de Dark também consiga ser um deles e desperte a sua atenção. Vale muito a pena assistir!