Os envolvidos com o cenário de quadrinhos nacional sabem bem como ele cresce com certa dificuldade. São inúmeros os problemas que o produto enfrenta para atingir mais pessoas e romper a famosa “bolha”. Mas e se, de repente, o Estado decidir que livros precisam sofrer taxação?

É isso que propõe o Ministro da Economia, Paulo Guedes: criar um novo imposto de 12% que inclui os livros, isentos de PIS/Cofins de acordo com a Lei 10.865, de 2004. Nem é preciso dizer que isso caiu como uma bomba no mercado editorial, que decidiu criar uma campanha nas redes sociais para mobilizar os leitores em prol da isenção.

A notícia do possível novo imposto que vem com a reforma tributária também foi acompanhada de uma declaração de Guedes, afirmando que o livro “é um produto da elite”.

Guilherme Kroll, sócio e editor na Balão Editorial, acredita que a taxação irá afetar o cenário de quadrinhos.

“[…] os preços vão subir, especialmente no mainstream. No meio independente, de venda diretas ou em eventos não se tem o hábito de emitir notas, então essa taxação pode não afetá-lo tão diretamente.” 

Guilherme Kroll (Balão Editorial)

Vale lembrar que o setor livreiro vem enfrentando uma crise generalizada que envolve muitos atores e situações, além do impacto que a pandemia de coronavírus vem causando e que ainda não pode ser completamente mensurável. Ou seja, o setor está na corda bamba e a última coisa de que ele precisa agora é uma taxação.

“Eu não sou especialista em economia, mas uma taxação dessa pode prejudicar muito o setor livreiro. Acho que pode haver alternativas melhores do que onerar um setor que já está claudicante. O nosso setor ser isento de certos impostos não deixa de ser um privilégio frente a outros setores. No entanto, essa isenção é um estímulo ao crescimento do setor, que tem crescido levemente, mas de forma constante, ao longo das duas últimas décadas” comenta Guilherme. 

Por mais incrível que pareça, a ala mais progressista da classe política não aderiu ao movimento contra a taxação e alguns até se posicionaram a favor do argumento de que livro é um produto para a elite.

A assistente editorial da Devir, Sâmela Hidalgo, também acredita que a taxação trará efeitos negativos para a comercialização de quadrinhos.

[…] tudo vai ficar mais caro. O governo diz que a taxação vai ser de 12% mas, com certeza, considerando todo o efeito dominó que isso vai causar, o aumento vai ser bem maior. E com esse aumento, toda a cadeia editorial vai ser prejudicada: gráficas, editoras, livreiros, distribuidoras e o consumidor final – que terá que pagar mais caro pelo título.”

Sabemos que quadrinhos estão cada vez mais caros, mas como alguém pode ser iniciado na leitura se ele se tornar mais caro ainda? A maioria dos leitores começaram a ler com os quadrinhos do Maurício de Sousa, Disney, os mangás ou os comics da DC e Marvel. Esses leitores, que pertencem à classe C ou B e têm renda média de dois salários mínimos, continuam consumindo o produto (fonte: revista “O Grito” – 2017).

Sâmela Hidalgo (Devir)

“A importância é simplesmente facilitar o acesso à cultura e à educação” diz Sâmela, quando perguntada sobre a importância da isenção para o setor.

“Lembrando que livro não é ‘somente’ entretenimento, então os estudantes pagarão mais caro pelos livros […] E, para o mercado – que já vem sofrendo uma crise há alguns anos – pode ser a última pá de terra nas gráficas e pequenas editoras que já estão prejudicadas com os calotes das grandes livrarias. Estaremos afundando mais ainda na crise editorial” completa.

Segundo a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil de 2016, mesmo lendo menos que a classe A, 43% do acesso à leitura da classe C tem sua origem em obras compradas, adquiridas em lojas, livrarias etc., 9% são baixadas da internet e 21% são emprestadas.

O resultado imediato da taxação pode ser um aumento nos preços e mais algumas mudanças nos modelos de negócios atuais, além da atualização das porcentagens pagas aos envolvidos no processo editorial, mas a longo prazo esse impacto pode ser muito maior. Os hábitos de leitura do brasileiro poderão ser, significativamente, prejudicados.

Fica cada vez mais difícil não ser pessimista no nosso país quando o assunto é cultura. Façamos a nossa parte. Se você não concorda com a taxação pode publicar uma foto sua segurando um livro ou HQ, utilizando as hastags #DefendaOLivro e #DefendaOsQuadrinhos. Você também pode cobrar os representantes do seu estado no Congresso Nacional e, ainda, assinar a petição que pretende pressionar o governo a voltar atrás: Defenda o Livro.

Defendam a cultura!