30 de janeiro é um dia marcante não apenas para a arte nacional, mas um verdadeiro marco para a cultura brasileira. Foi nesta data, em 1869, que o italiano Ângelo Agostini, produtor de charges e caricaturas, começou a publicar seu trabalho no diário Cabrião, de São Paulo, lançando As Aventuras de Nhô Quim ou Impressões de Uma Viagem à Corte, título considerado a primeira história em quadrinhos produzida em solo nacional.

O pioneirismo de Agostini é tão notável para a história da narrativa visual no Brasil que a Associação dos Quadrinhistas e Caricaturistas de São Paulo (AQC-SP) instituiu o prêmio que leva o nome do artista em 1984, além de declarar 30 de janeiro como o Dia do Quadrinho Nacional, além de ser considerado pela Academia Brasileira de Letras e pela Associação Brasileira de Imprensa o Dia Nacional das Histórias em Quadrinhos.

Em comemoração à data, algumas das mais expressivas quadrinhistas manauaras deixaram ao Mapingua Nerd impressões de como tem sido sua atuação na Paris dos Trópicos, e de que maneira o cenário local tem se desenvolvido para atender às demandas de uma classe artística que tem crescido de forma considerável nos últimos anos, além de servirem como exemplo do quanto as mulheres têm conquistado seu espaço dentro do circuito de produção local.

Sarah Gabriela Farias, que publica suas histórias juntamente com diversos artistas locais no site 99 Balões, atua como gerente de projetos pela Strategos Gestão Cultural, organizando eventos, exposições e mostras em paralelo à sua produção visual. Sua visão do mercado de quadrinhos em Manaus é afiada:

Dizer que há um mercado local não condiz com a realidade. A produção de quadrinhos regional tem se mantido há algumas décadas, com algum crescimento nos últimos 5/10 anos inclusive, mas para chamar de mercado precisaríamos de mais editoras locais interessadas em quadrinhos, mais publicações, mais eventos e claro, mais público. Eu vejo nosso cenário rumando para isso.

A opinião de Sarah condiz com a de Daniela Mendes, membro ativo do coletivo Xmao, grupo de ilustradores que já tiveram trabalhos expostos em salões de arte internacionais:

Do meu ponto vista, em relação a 5 ou dez anos atrás, o mercado pra quadrinhistas tem melhorado gradativamente. Ainda não é o mercado de trabalho dos sonhos, mas as oportunidades são bem melhores que há uns 10 anos. Hoje em dia há encontros, eventos próprios para a área e que são de interesse dos artistas, não são só eventos de promoção.

Membros do coletivo Xmao: Daniela à esquerda e Rayanne Cardoso ao centro

Rayanne Cardoso, membro do mesmo coletivo, descreve os momentos definidores de sua carreira nesse meio, e é enfática ao descrever sua participação na ComicCon Experience de 2016, ao qual representou o Amazonas no maior evento de quadrinhos e cultura pop do país:

A CCXP com certeza foi um desses momentos: estar em meio a tantos artistas, sendo a maioria com material independente. reforçou em mim a vontade de produzir quadrinhos. Outro fator que posso afirmar como definidor são as minhas influências, gosto de acompanhar trabalhos tantos daqui quanto de fora, como por exemplo comics coreanas, mangás, entre outros, que também me motivam a continuar nesse caminho.

Recentemente, o coletivo do qual Rayanne e Daniela fazem parte publicou gratuitamente um mangá independente, o Cat Spirit, cuja primeira edição você pode conferir clicando na imagem abaixo:

Os Xmao, no entanto, não foram os únicos destaques amazônicos na CCXP daquele ano: o estúdio House 137 publicou a antologia Zombie[SIDE], que reúne histórias de zumbis dos mais diversos gêneros. Uma delas, da série Encourados, é a “Zumbis nos Palmares”, que utiliza de elementos da cultura brasileira ao narrar o confronto de um grupo de cangaceiros contra uma horda amaldiçoada de mortos-vivos, conta com roteiro da ilustradora e designer Ananda Ferreira Ramos, que descreveu um pouco de seu processo criativo e da relação com outros ilustradores:

Apesar de conhecer artistas que trabalhem melhor sob pressão de um prazo curto, ou mesmo com contato direto com os clientes, para mim quadrinhos são um trabalho colaborativo, então obedecer os prazos e entregar sua parte flui muito melhor quando a arte, roteiro e demais partes têm companheirismo. Muitos não sabem separar o lado profissional do pessoal, mas com bom senso, a amizade entre os membros da equipe sempre gera um resultado positivo – a amizade entre os membros da equipe é um fator essencial para fazer fluir as ideias.

Em Manaus, sabemos que o circuito cultural é ainda algo em constante desenvolvimento, tanto que chamá-lo de “mercado” é exagerar. Ser artista aqui é um desafio, e essas moças vêm lidando muito bem com o de ser uma quadrinhista. Seu trabalho é uma inspiração às jovens que, mesmo sem saberem, seguem o legado de Agostini, rabiscando seus primeiros rascunhos, contando suas primeiras histórias, e a trajetória dessas artistas, embora marcada por dificuldades, pode lhes dar fôlego para continuarem a insistir nessa profissão, como deixa claro Sarah Gabriela:

Temos várias artistas que levam sua produção a sério, como a Ely Sena que publica o Saidera e Maiz Zuma regularmente no nosso site 99 balões (99baloes.art.com), a Carol Peace, eu mesma (hahaha). Nacionalmente, nós somos bem recebidas e a internet facilita trocas, envio de portfólio, colaborações. Então eu diria que não vivemos ainda o cenário ideal, mas claramente caminhamos para ele. Quadrinho é uma arte complicada, mas quando você vê o resultado e vê as pessoas aproveitando todo o trabalho, vale muito a pena.