Há alguns dias estive participando da CCXP 2022 e realizei uma pequena cobertura do evento para o Mapingua Nerd. Como público pela primeira vez, resolvi olhar para um espaço que é reconhecido pela própria organização como o coração do evento, o Artist’s Valley.

A estrutura que abriga centenas de artistas escancara a curiosa simbiose entre a monstruosidade do mercado de entretenimento pop e o minúsculo cenário de quadrinhos brasileiro. Quem anda pela primeira vez nos corredores do Valley pode se impressionar com a variedade de produtos, preços e participantes. Estão no Artist’s Valley artistas de todos os lugares, estilos e públicos. É natural que eles estejam em momentos diferentes da carreira, apesar de dividirem o mesmo espaço. Um quadrinista com poucos anos de atuação fica ao lado de um fenômeno das tirinhas nas redes sociais e ambos estão de frente para alguém consagrado na indústria dos EUA como Jim Starlin.

Artistas reunidos em foto após o fim do evento

Além disso, segundo a CCXP, 38% dos artistas se identificam como parte do movimento LGBTQIAPN+, 13,6% se identificam como transgêneros, não-binários, gender fluid, agênero e travestis. A participação de artistas que se identificam como negros, pardos e indígenas e a de mulheres ficaram ambas em 32%. Há sim, como podemos ver, um ambiente que procura ser mais democrático e inclusivo, mesmo que ainda haja um caminho longo para percorrer em busca de um equilíbrio verdadeiro.

Mas o que há além dessa aparente equidade entre os diversos artistas ali presentes? Dos 484 artistas confirmados, a CCXP informou que 110 artistas eram de fora do sudeste, “com destaque para 47 do norte e nordeste“. O número impressiona por expor a centralização do cenário de quadrinhos na região sudeste, ainda que esta edição tenha sido um marco para a participação de artistas nortistas, como já falamos por aqui. Conversando com alguns artistas fica claro que o principal motivo é financeiro. Os custos totais para participar da CCXP podem resultar em prejuízo para muitos.

Já que estamos falando de dinheiro, uma das grandes questões do quadrinho nacional surgiu após a publicação da coluna “Enquanto Isso“, de Érico Assis, no Omelete depois da CCXP: Quem é Ororo Munroe? Érico fez um apanhado interessante sobre o tema (vendas, ganhos e/ou prejuízos) e publicou alguns dados de seus entrevistados no texto, utilizando nomes de personagens de X-Men para preservar o anonimato dos artistas. Uma das entrevistadas (Ororo) disse ter faturado em torno de R$ 100 mil durante todo o evento. Érico (assim como eu e você, leitor) se mostrou surpreso e declarou “Munroe é a Jeff Bezos da galera que me respondeu”.

Mas para além do ponto fora da curva que é nossa querida Tempestade, o resultado de outros entrevistados também impressiona. Kurt Wagner declarou R$ 58 mil de faturamento e R$ 30 mil de investimento para Érico. Em média, os 36 entrevistados venderam cerca de 220 quadrinhos e aproximadamente R$ 16.500. Metade teve lucro abaixo dos R$ 5 mil.

Duas coisas são importantes aqui. Entre os que responderam Érico há casos de lucro mínimo e até prejuízo e o resultado das vendas não deve ser métrica para balizar a qualidade dos artistas participantes. Mas se você é um artista que reside no Norte do país e está lendo isso, deve ter ficado surpreso, até mesmo com os números mais modestos dos entrevistados.

Também fiz minha pesquisa informal e entre os artistas do Norte a maioria ficou abaixo dos R$ 4 mil reais em faturamento. Muitos tiveram prejuízo nesta edição, mesmo vendendo muito bem ao comparar seu desempenho com os dos maiores eventos de suas respectivas cidades. Vender mais de 100 quadrinhos num evento seria um sucesso arrebatador para a maioria desses artistas e falar em lucro acima de R$ 5 mil é quase um sonho impossível.

As extensas mesas duplas, os totens enormes, as filas de autógrafo no meio do Valley e os números que retirei da coluna do Érico despertam nos artistas de regiões periféricas admiração e o desejo de chegarem ali também. Mas se você que é artista aceita um conselho de outro artista, não precisa desejar com todas as forças ser a “Ororo” do quadrinho nacional. Um ponto importante da diversidade do nosso cenário é que os artistas entendam quem é seu público, como chegar até ele e o que esperar da carreira. Pode soar como papo de coach, mas é essencial para não se frustrar e continuar buscando objetivos viáveis.

O Artist’s Valley por um lado se esforça para ser diverso e democrático e por outro deixa claro os limites e desigualdades que existem, não apenas para os quadrinistas, mas para todos que desejam trabalhar com arte no Brasil. Não estou declarando que a responsabilidade de solucionar essa desigualdade seja da organização do evento, mas ela pode ser alvo de ações em futuras edições. Há muitos caminhos e ferramentas para isso nas mãos do grupo que faz acontecer a maior feira de cultura pop do mundo.

Até o próximo papo!