Olá, caros leitores. Sim, é isso mesmo, a partir deste ano teremos por aqui uma lista com as melhores leituras de quadrinhos que fiz no ano. Bora bater um papo?

Antes de qualquer coisa preciso deixar claras as regras da lista. Entram quadrinhos que eu li durante o ano de 2021 e não apenas os publicados em 2021. São 10 obras, nacionais e internacionais, colocadas em sequência conforme sua avaliação. Claro, os critérios são pessoais e levam em consideração não só o conteúdo, mas a edição como um todo.

10 – Ilha dos ratos

Adorei o projeto no Catarse de “Ilha dos Ratos” e não pude deixar passar, apoiei por que tava na cara que era coisa boa. Na história Vinícius Lobo reúne questões sociais e elementos noir numa trama policial sobre uma colônia de ratos que passa a sofrer com a fome, desemprego e violência ao atingir um nível populacional muito grande.

Vinícius chega muito bem no cenário (este é seu primeiro roteiro finalizado, porém é sua terceira participação em um quadrinho) entregando uma história bem conduzida e muito bem desenhada. Seu traço é simples e limpo e o contraste de luz e sombra ajuda a dar o tom de mistério da narrativa.

09 – Tabi dos fusos estelares

Mais um quadrinho apoiado pelo Catarse e que passou despercebido por muitos perfis que falam sobre HQ. Jun Sugiyama e Alexandre Carvalho (mesma dupla do premiado Romaria) trazem um quadrinho de narrativa silenciosa bem curto de encher os olhos. Tabi é uma caçadora que viaja pelo espaço com um arco e flecha e uma missão, colher a matéria-prima da luz.

Claramente influenciados pelas narrativas orientais advindas dos animes, mangás e dos próprios mitos de criação de mundo, os autores tecem uma história simples, sensível e belíssima. A presença do silêncio contemplativo que também narra é feita de forma muito madura e bem entrosada entre arte e roteiro.

08 – Kriança Índia

A Kriança Índia é a personificação do anti-imperialismo norte-americano e do comportamento entreguista e de colaboração que o Brasil sempre demonstrou. Rafa Campos é o criador da personagem e também desenha algumas das histórias do encadernado lançado pela Guará, as outras histórias são ilustradas pelo artista Álvaro Maia.

Ambos possuem um traço cartunesco (geralmente associado a publicações underground) que funciona muito bem com o clima brutal e algumas vezes obscuro do quadrinho. As histórias contam aventuras da Kriança no combate à invasão da floresta amazônica por personagens inescrupulosos envolvidos com forças estrangeiras. Aqui a crítica de Rafa Campos recria personalidades da nossa distopia brasileira, colocando-os no lugar que merecem: o de cruéis criminosos. É um acerto da Guará, não apenas no conteúdo ou no belo projeto gráfico, mas também na mudança de discurso e direção de seu posicionamento enquanto editora.

07 – Family Tree

O primeiro volume de “Family Tree” foi lançado por aqui pela editora Intrínseca e conta com roteiro do cultuado Jeff Lemire e artes de Phil Hester, Eric Gapstur e Ryan Cody. A história se concentra numa garotinha que começa a se transformar numa árvore e na corrida desenfreada de sua mãe, seu irmão e seu avô para tentar salvá-la. 

Por mais que você saiba que o Lemire é bom ele sempre consegue te surpreender. Aqui temos uma narrativa rápida e sombria com elementos de mistério, terror e drama familiar, tudo bem desenhado e embalado para ser adaptado para série por algum serviço de streaming.

06 – Sand Land

“Sand Land” foi lançado em 2000 pela SHUEISHA e no Brasil em 2006 pela Conrad, mas só em 2021 eu consegui uma edição dessa preciosidade para ler. Foi simplesmente uma das coisas mais divertidas que já li. O mestre Akira Toriyama faz um quadrinho no melhor estilo “road movie”, misturando os elementos que fizeram dele um dos maiores mangakás da indústria: o humor, a fantasia e as relações entre as personagens.

Beelzebub, o príncipe dos diabos, lidera uma pequena comunidade que tenta sobreviver num mundo árido e desolado cujo principal rio secou. Todos são vítimas de um tirano que cobra um valor absurdo pela pouca água que ainda resta. Mas o velho xerife Lao tem um plano para conseguir água de uma fonte desconhecida e pede ajuda de Beelzebub para chegar lá.

05 – Frankenstein

O clássico de horror de Mary Shelley foi revisitado por Junji Ito e o resultado dessa adaptação não poderia ser outro: é um quadrinho aterrorizante. Lançado por aqui pela editora Pipoca & Nanquim, a edição tem um excelente projeto gráfico e traz ainda outros contos de Ito.

A adaptação de “Frankenstein” pelo mestre do mangá de horror eleva a outro nível os aspectos grotescos do monstro e a estranheza da história original. Na obra, o espaço entre o humano e o monstruoso se acinzenta ainda mais sem deixar de ser fiel ao conto original, abusando de algumas das principais características encontradas no trabalho de Junji Ito.

04 – Usagi Yojimbo

Já conhecia o trabalho do Stan Sakai há anos e saber que a recente Hyperion Comics lançaria “Usagi Yojimbo” me fez literalmente comemorar com um “até que enfim!”. Sakai começou a publicar a saga do “coelho guarda-costas” em 1987, mesmo ano que nasceram as “Tartarugas Ninjas” e outros quadrinhos underground que fizeram sucesso.

Sakai criou “Usagi Yojimbo” com claras influências do cinema japônes de Akira Kurosawa e com base num período histórico bastante marcante do Japão que ainda aparece muito na cultura pop, o período Edo. Miyamoto Usagi (baseado na figura real do espadachim Miyamoto Musashi) segue como ronin perambulando por uma terra dominada por guerras, conflitos por poder, traições e criaturas místicas. É uma leitura prazerosa e descontraída, com o traço cartunesco e habilidoso de Sakai numa edição simples e acessível da Hyperion.

03 – Pulp

Ed Brubaker e Sean Phillips arrebentam nesse quadrinho cheio reviravoltas um excelente ritmo publicado por aqui numa edição em capa dura da Mino. Tenho um fraco por histórias de escritores e talvez isso tenha me prendido mais na leitura da HQ, mas é inegável que Brubaker sabe muito bem o que faz, conduzindo a história de Max Winter e todas as questões do passado do protagonista que acabam ecoando em seu presente.

Max é um escritor de histórias de faroeste na Nova Iorque dos anos 1930 e que está passando por dificuldades financeiras e pelos problemas que a idade avançada trazem. Acontecimentos recentes colocam Max numa encruzilhada e ele terá de decidir o que fazer quando confrontado com inimigos de seu passado.

02 – A espera

“A espera” de  Keum Suk Gendry-Kim foi lançada aqui pela Pipoca & Nanquim e traz de volta um drama familiar vivido desde a Guerra da Coreia, que separou não apenas o país mas também milhares de famílias. Gwijá precisa casar muito cedo, uma forma de impedir que ela fosse levada pelos soldados japoneses durante a ocupação da Coreia. Já casada e com dois filhos, uma nova tragédia se abate sobre ela: a guerra a separa do marido e do filho mais velho. 

Jiná, filha de Gwijá, trata o desejo da mãe de forma displicente na maior parte do tempo. Após um certo período ver sua mãe envelhecer e perceber o quão pouco fez pelo seu desejo, o quanto se afastou deliberadamente ou o tempo que demorou para que entendesse que ela já estava partindo, se torna dilacerante. A culpa atinge Jiná e ela reflete sobre o passado da mãe e como ela mesma sempre se posicionou sobre o fato de ser fruto de duas famílias separadas pela guerra. 

Keum Suk Gendry-Kim nos mostra novamente que é uma exímia narradora, conseguindo explorar com maestria os silêncios, os momentos dramáticos e a própria leveza de seu traço.

01 – Traço de Giz

O espanhol Miguelanxo Prado nos brinda com uma narrativa cheia de momentos contemplativos e muito mistério. Na história, Raul está no meio do oceano fugindo de uma tempestade quando encontra uma pequena ilha com uma ponta que se estende pelas águas e um farol abandonado. Lá ele conhece Ana, Dimas e sua mãe Sara, dona de uma estalagem.

Encontros e desencontros permeiam toda a obra num tom que pode ser comparado ao encontrado na literatura do realismo fantástico da América Latina, de Jorge Luis Borges a Isabel Allende, entre outros. A HQ guarda detalhes curiosos e que fazem muita diferença para a compreensão do todo. A arte de Miguelanxo é de impressionar e a edição da Pipoca & Nanquim traz todo o cuidado que a obra merece.

Então, curtiu a lista? Se liga aqui na coluna que esse ano teremos muito mais resenhas e conteúdo exclusivo para os leitores. 2022 promete muito para os quadrinhos!