As Crônicas de Acheron é uma série de fantasia publicada toda quarta-feira no Mapingua Nerd.
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Registrou o escriba:

“-Levantai…abre os olhos, pequena mulher. “ A doce voz feminina (ecoante na mente de Ranemann) repetia tais palavras continuamente enquanto a jovem mulher caída estava (com seus olhos cerrados) sobre o solo fétido da Floresta Escura. “-A coragem de tua irmã te salvou. Mas a demanda exigirá mais do que isso. O amor será necessário mais que todo o sangue que derramado até agora foi. O caos deve ser combatido com a nobreza dos sentimentos que do Uno emana. Atentai para isso. Cuida! Levantai!”

Enquanto Ranemann e Atelith estavam desmaiadas, as vozes – ora graves e doces – falavam a seus corações continuamente. As jovens acheronianas então abriram os olhos. O sorriso desconcertante nos lábios as surpreenderam em seu despertar (pois grande paz sentiam enquanto desacordadas estiveram) e não sabiam quanto tempo assim permaneceram. “-Minha irmã, estais bem?” Perguntou calmamente Atelith a Ranemann. “-Sim, meu rosto e meu corpo estão repletos de dor… mas ao mesmo tempo… sinto um tipo de tranquilidade singular… como se tivesse sido desperta de um sono reparador após um dia intenso de trabalhos psíquicos em Thelim.” Respondeu Ranemann (admirada ao ver Atelith viva e sorrindo).

-“Sobrevivemos bem ao ardil do Caos em movimento. Lutamos como guerreiras que somos e o prêmio é esse: nossas vidas intactas. Sinto que nesse tempo imensurável em que estivemos desacordadas fomos guardadas. O Uno nos guarda, minha irmã!” Disse Atelith, levantando-se. “-Foi Claekuth. Disso eu sei, pois a voz dela ouvi em sonho enquanto minha essência estava vagando pelo minha mente em pensamentos desconexos.” Refletiu Ranemann, enquanto sentava-se vagarosamente por conta vários ferimentos em seu corpo. –“Seu dom da Visão até nós é alçado. Sempre soube que não estaríamos sozinhas em tão perigosa e terrível demanda. Até aqui… nos domínios do Caos em movimento e de sua serva Loucura… Claekuth e Morjal nos tem observado e ajudado.” Ponderou ainda a sensitiva guerreira. “-Vem, ajuda-me a ficar de pé…” enfim, solicitou Ranemann a Atelith.

Atelith então segurou a mão de sua querida amiga e a colocou de pé sem muito esforço. As jovens mulheres então olharam ao seu redor e puderam ver o corpo volumoso do tomasco olhos-de-galho sobre o chão úmido e pútrido do lugar. Atelith caminhou em direção da criatura e com seu punhal cortou um pedaço de galho da cabeça do tomasco. “Isso servirá de lembrança para mim.” Pensou a acheroniana. “-Atenta, minha irmã… que quando tudo acabar e de volta estivermos à nossas terras, nossos feitos serão lembrados e contados nas canções dos bardos e nos poemas dos letrados! Ao redor das lareiras, os pais contarão os feitos de Ranemann e Atelith… protagonistas seremos de baladas e crônicas! Teu nome será registrado no Livro dos Dias… posso imaginar… a feroz Atelith e a queda do tomasco olhos-de-galho! Um belo título para uma crônica, não achas!? Melikae certamente fará um poema disso!” Disse sorridente, Ranemann (fitando os olhos pequenos de sua amiga Vilca).

“- O que espero é em paz estar ao retornar para casa. É nisso que tenho pensado insistentemente todo esse tempo. A angústia e o desespero por vezes à porta batem, porém… percebo que em mim reside uma força que não me pertence. Agora sei, minha irmã… que nossos corpos moldados foram ao longo dos anos em que estivemos com nossos irmãos tremareanos e com nossos amigos (em Thelim) para esses momentos. Fomos forjadas com conhecimento e fúria necessária para tal desfecho. A confiança em mim habita agora (mais sólida do que nunca)… sim, haveremos de completar tal demanda!” Disse a animosa Atelith enquanto sorria caminhando rumo a outra extremidade da clareira.  “-Venha, vede… que esse deve ser o caminho que devemos tomar.” Falou Ranemann.

***

Do outro lado da clareira onde estavam as duas jovens havia um caminho em meio aos troncos secos das árvores que circundavam o lugar. As mulheres caminharam então em tal direção. Os passos eram lentos, pois as dores eram muitas. O rosto de Ranemann possuía vários hematomas e feridas por conta dos ataques do grande tomasco. Suas pálpebras estavam inchadas mal podendo Ranemann abrir os olhos. Porém, existia força em seu corpo que a compelia caminhar sem fadiga. As dores nos lados impediam Ranemann de se movimentar com rapidez (por conta de costelas quebradas). O tomasco quase a destruíra. “-Tudo o que agora gostaria é um banho em águas limpas.” Suspirou abatida Ranemann. “-Improvável é encontrarmos algo assim nesse lugar imundo. Mas tenho esperanças de ainda ver mais uma vez o Acherontis, para assim nos divertirmos em suas águas reluzentes. Porém, sei que a Terra dos Cavalhos jaz em confusão por conta da ação de forças malévolas que imprimiram perversão sobre a criação do Uno ao longo de eras. E penso se (ao retornarmos para nossos lares) ainda existirão os resquícios da grandiosidade do Rio Primordial que presenciamos com nossos olhos. A visão das essências dos homens a se lavar no Acherontis foi algo assombroso e que certamente nos marcou até o dia que nós mesmas cumprirmos o ciclo determinado pelo Uno.” Retrucou a esperançosa Atelith.

“-Nosso mundo repleto de demônios está, minha irmã. Deuses degenerados habitam nossa terra por conta do orgulho dos homens e do desejo desenfreado por poder que apenas ao Uno e seus Filhos é conferido. Tudo está nos registros que os antigos deixaram a nós. Clãh, Atheran e Gwinvein… todos eles outrora foram grandes homens… mas apesar de exteriormente assim parecer aos olhos dos homens, ainda assim eram imperfeitos. Sim, o que para nós é justiça, para o Uno e os Maiorais é sujeira. Mas é como sabemos: o olho julga apenas o que ele pode ver. A essência é sempre assunto apenas do Uno e seus Filhos. Pois somente ele pode esquadrinhar o que está dentro da nossa carne e mente. E por conta da imperfeição do homem sobreveio toda a sorte de maldição sobre nossas terras. Todos os que estão nas grandes canções e poemas eram passíveis das maldades conferidas como possíveis aos homens. Nosso espelho jamais deve ser o herói, minha irmã.” Ponderou, Ranemann enquanto caminhava ao lado de Atelith na trilha estreita coberta de fumaça negra.

Enquanto as duas jovens guerreiras caminhavam a passos lentos trilha a dentro da Floresta Escura uma súbita brisa vinda do ocidente pôde ser sentida por elas. O lugar – escuro – foi repentinamente iluminado pela luz bruxuleante que acompanhou a brisa em meio a uma fraca e doce voz que passou a ser familiar a ambas.

“Adentrem o caminho. Guardem o punhal. Desçam no buraco e forjai-o na Luz da pira que a contém. Tomai cuidado com a Loucura pois ela será o derradeiro desafio. O Uno é convosco, disso saibais.”

Em meio ao espanto e alegria, Ranemann e Atelith sentiram-se reconfortadas com as palavras trazidas pela brisa e pela luz. Seria a voz de sua amada Claekuth? Com tais pensamentos a rodopiar em suas jovens mentes as duas acheronianas deram as mãos e seguiram lentamente trilha a dentro.

Continua…